sexta-feira, 10 de abril de 2009

1° ATO

Entra a Figura:

“As coisas não têm diferenças entre si e são igualmente incertas e indiscerníveis.”
(Timão, discípulo de Pirro de Élida)


No canto esquerdo do palco o Narrador1, um gordo, asqueroso, se coça todo (tudo escuro a luz branca focada apenas nele). Ele se veste com pompas, estilo pinguim. Está desconfiado, um pouco apreensivo, olha com ressalvas, rabo-de-olho, para ambos os lados e coloca aos poucos a mão esquerda no ouvido – como se estivesse a ouvir algo de longe. Ele começa a ficar desesperado, não consegue sair dali, entra em pânico, começa a chorar, tremer. Então, aquilo que ele escuta vai chegando, ficando mais forte e bate em sua cabeça como se fosse um martelo (luz amarela, em intervalos como marteladas). Ele vai ouvindo mais, mais cores vão lhe martelando (azul, verde, vermelha, roxo), ele cai no chão, se arrasta, contorce-se, posiciona-se em posição fetal, encolhe-se todo.
SILÊNCIO.
(Tudo enegrecido, só a luz branca focada nele)
Lentamente ele se levanta com sua cara extremamente sinistra, surrada, podre e vai proferindo aos poucos (as personagens Amarela, Azul, Verde, Vermelha e Anil, estão no canto direito do palco em fila e vão aparecendo conforme o Narrador1 vai citando o texto):

Como que, de repente, surgem cores.
Estão por todos os lados, e de onde?
E de onde é que surgem corresponde
Ao seu fado, seu sexo ou seus fatores?

Então bem aqui debaixo procuro
E não acho o tom exato, perfeito,
Que automaticamente tem defeito
Onde só encontro a láctea com o obscuro.


Então, ele se levantou por completo e aponta para dois personagens: Preta e Branco. Ela está no fundo preto. Ele no fundo branco – ambos no canto esquerdo do palco. Os dois se tocam pelos dedos como dois bailarinos. As luzes se apagaram para as outras cores. O Narrrador1 corcunda e ao estilo Nosferatu vai andando em direção aos dois, apontando e dizendo:

Esse casal que reúne-se errante
No equilíbrio das coisas explicáveis(?)
–agressivos para serem amáveis.
Afogam-se no soluço do instante.


Então, o Narrador1 vira-se para a platéia de supetão, é projetado um filtro 2tone (quadriculado), enquanto ele fala levantando os braços como em suplício aos céus:

Carregam consigo a herança dos genes
Dos daltônicos, praga do xadrez,
Ser um tudo e outro nada, outra vez
Estar subjacente como Anaxímenes.

Quantas coisas faltam e as cores ficam,
Mesmo na penumbra desse não-dia
Contando-me ao contrário, quem diria,
Vem à noite aura e as luzes negras ligam.


Tudo escuro, uma cidade com as luzes acessas é projetada. STOP. O Narrador1 está de cabeça baixa com os ombros erguidos. Vira-se como quem não quer nada, andando solto (dando às costas a Branco e Preta) e dizendo:

Onde não há nada, está o Branco.
–Há uma jogada, pois Negra é
A ausência, o vácuo, uma falta de fé,
Onde está o silêncio e o grito franco.


Branco e Preta se entrelaçam e ela grita (a platéia deve acompanhar o Narrador1). O Narrador1 para de andar, espera uns instantes, olha para trás, dá meia-volta, continua andando e dizendo:

E simplesmente nada mais que nada
Preenche o tempo indiferente ao momento;
Completo no que diz respeito ao vento,
Encoberto pela nuvem da ossada.


Um jato de fumaça é disparado. O Narrador1 anda em direção ao casal entrelaçado e diz apontado:

Olho. Canso de vê-los, são unidos.
A distância produz a forma e os tornam
Juntos, sendo instáveis, eles se formam
Desfigurados (enfermo) e banidos.


O casal então se separa, mas com ares de liberdade e feliz. O Narrador1 olha para um e para outro, naquela posição em que a barriga está estufada e as mãos estão para trás, e fala num tom discursivo.

Revezando variantes, dimensões
Alcançam. Figuras, textos, carrancas.
São Preta e Branco batendo uma banca
No não-ser do espelho das ilusões.


Branco e Preta vão em direção as outras cores que estão em fila no lado direito do palco. Várias formas são projetadas com sombras. Os dois se esfregam em todas as cores, mostra o quanto são libertinos. O Narrador1 vira em direção a eles e num tom sarcástico encerra:

Fazendo vade-mécum de suas bulas,
As cores paralelas sem seus lóbulos
Tornam Preta e Branco parasitófobos,
Para Sexto não segurar suas gulas.


Apagam-se as luzes.

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