sexta-feira, 10 de abril de 2009

3° ATO - Parte I

Entra a Figura:

“Um niilista é um homem que não se curva ante a qualquer autoridade; nem aceita nenhum princípio sem exame, qualquer que seja o respeito que esse princípio envolva.”
(Ivan Turgeniev)


Azul está parado pensando, enquanto Preta festeja como Deus-Pan ao seu redor. Projeções de sombras de urubus, epilépticos e mulheres. O clima é cinza, pesado, de tempestade. Narrador1 surge do escuro, está vestido com um terno preto sobre uma fantasia de “vinil” azul. Tem a máscara e os chifres de um ser maligno. Começa a dizer pausadamente olhando para as suas longas unhas:

(Parado à deriva, pensava céptico
A respeito da sua vida e do amor:
“Sempre perdido no controle do caminho.”
Considerava seu vulto epiléptico
Sentindo a neurose, praxe da dor,
Como um urubu pela carniça faminto.


Azul começa a se incomodar com Preta. Viaja em outra musa, vê vultos, fantasmas, se assusta - está confuso. Preta, em sua introspecção, não percebe. Azul vai se consumindo em sua paranóia, imagina-se rolando com a outra musa, em movimentos elásticos. O Narrador1 ainda na mesma posição, conferindo as unhas, diz:

Mas há simultaneamente de plástico
O dia em que, segundo ele, vai mudar.
Seus sonhos passam-lhe a incomodar, aliás,
Surpreender, quando dorme como elástico
Vê na penumbra uma musa encantar
O que resta para despertar de fugaz.


Azul está possuído e possui aquela sombra, puxa seus cabelos, arrasta-a, pinta o sete. Está a sorrir com o peito aberto e estufado, e beija freneticamente a sua outra musa. Narrador1 passa a olhar para a Azul e, concomitantemente, para a platéia, um olhar fixo, falando:

Em seu brilho o karma inacreditável
Da beleza que resume dizer:
“Nada a falar do estado excitante.” Incerteza.
Só que após esta sensação instável
Vem a fúnebre imagem parecer
A realidade em que se encontra a bela deusa.


A sombra vai se afastando de Azul e diminuindo. Se transforma numa nuance assustadora e vai para cima de Azul, que está ajoelhado, em transe, passando a mão na boca. Ele se assusta, acorda e se vê como alguém que acabou de sentir o gosto da morte. O Narrador1 anda em direção a Azul e fala:

O susto proporciona que acorde
Sente na boca o frio gosto da morte.
Noite. O sono passa a preencher seu ego diário.
Até que, já citado, um dia de sorte
Depara-se na rua uma dama e corre,
Para afirmar que não há sonho imaginário.


Atordoado, Azul olha em frente. A sombra de um cupido mau é projetada. O cupido lança uma flecha em direção ao peito de Azul. Flechado, Azul se levanta e vai em direção à sombra feminina, sobre ela a sombra de quatro homens enforcados. Antes, Narrador1 tira a flecha do peito de Azul e vai dizendo:

Entre a idéia e o sentimento demente,
Flechado no segundo termo viu
“A mulher inadmissível viva e nefasta”.
Dentro de presunção, estória e mente,
Dois olhares ainda se cruzam mil,
Coincidências que só para um qualquer se alastra.


Azul se relaciona com a sombra feminina. Com todos os fantasmas sobre os dois. O Narrador1 encerra, antes que as luzes se apaguem:

A paixão que assim adiante molesta
Vem de um amor das trevas ou da estética?
Seguem-se assim mesmo sucessivos encontros.
Até o ápice de ambos não resta,
O que enfim coloca a figura céptica
Num intenso, necrófilo e infeliz confronto.)

Fecham-se as cortinas. Um som contínuo (Um sopro permanente em um Didjeridu) ecoa sem cessar.

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