sexta-feira, 10 de abril de 2009

4° ATO - Parte I

Entra a Figura:

“É bem possível que eu um dia cegue.
No ardor desta letal tórrida zona,
A cor de sangue é a cor que impressiona
E a que mais neste mundo me persegue!”
(Augusto do Anjos)


As luzes acendem. Tudo é exageradamente vermelho. Azul continua com seu traje infernal. Está excitado, em movimento, e falando sem parar:

(A)

“Houve um anúncio no noticiário
que me deixou muito intrigado, amei.
Crimes absurdos chocando a cidade,
Perplexos, brutais, bastante cadáveres.


Ícones que representam pessoas em pedaços estão espalhados por todos os lados. Existe carne, carcaças de animais dependuradas, Azul continua a se mexer como Freddie Asterie em “Dançando na Chuva”, só que interagindo com objetos de tortura, ou serras elétricas, serrotes, e todo tipo de ferramenta. E dizendo:

Ou melhor, picadinhos à la carte,
Sem distinção de sexo, idade ou cor.
Fervor me subia, analiso, eu sabia
Era ela mulher dos meus sonhos, pura.


De repente, tudo para. Fica um silêncio. Vermelha com sua veste diabólica, salto alto, está atrás de Azul, pronta para cortar o seu pescoço com uma espada. Azul diz olhando para a platéia:

Como o acaso é caso de quem ama
Fui outra vítima, numa noite escura,
De sua degolante trama animal.


Ele vai olhando aos poucos, com uma cara marota, para trás e dizendo sua fala. Ao olhar nos olhos de Vermelha, solta uma imensa gargalhada.

Ao encruzilhar-me soltei umas risadas,
E para esclarecer sua confusão
Metempsicossista me declarei.


Encerra, as luzes se apagam rapidamente, enquanto Azul e Vermelha se colocam um de frente para o outro. Azul olha de lado em direção à platéia enquanto fala, levanta o braço direito para tocar em Vermelha, ela corta-lhe o braço com a espada. Azul leva o indicador esquerdo em direção aos lábios de Vermelha, ela corta o outro braço dele também. Ele fala:

(B)

Sou um indefeso desalmado idiota.
Com o braço direito mando beijos
Esperando seu corte na seqüência,
Para usar o esquerdo dedo em seus lábios.

Sem dizer uma palavra, decepa
O que poderia ser um puta abraço.
Mas como não mantenho nenhum laço,
Gosto, e não se esqueça: faltam as pernas.


Com os braços juntos ao corpo, como se os tivesse perdido Azul vai narrando seu texto e gingando as pernas como no futebol. Insinua um chute na barriga de Vermelha, que lhe corta a perna. Ele em uma perna só pula e fala. E pisa no pé dela. Ela grita e passa a espada na outra perna. Azul cai no chão e encerra:

E por isso dou-lhe um chute no umbigo,
Que lhe causa arrepio e prosseguimento
Nessa sua excitante carnificina.

Fiquei como um saci, mas mesmo assim
Pisei no seu dedão e foi num grito
De tesão que cai no chão sem alicerce.


Encerra, as luzem se apagam e voltam rapidamente. Azul está no chão, tem “sangue” por todos os lados. Vermelha, fica se mexendo como um verme, deleitando-se do seu feito. Azul deitado no chão, sem pernas e braços, profere suas palavras:

(C)

E é agora só no tronco e cabeça
Que eu lhe declaro meu amor sanguinário.
Neste êxtase que compartilhamos,
Eu no gozo e ti me dilacerando.

Foi o mais pleno que eu tive e também tenho
Certeza que teve você, esplêndido.
Pois no seu olhar, lá dentro, vi volúpia
E ódio transando como dois órgãos.


Azul olha para Vermelha com raiva, ódio e agressividade. Ela para de se adorar, fecha o sorriso e mira o olhar em direção à Azul. Ela vai andando e ele vai falando, com tal brutalidade que chega a babar. Ao encerrar a fala dele, Vermelha corta-lhe a cabeça.

Vamos acabe com tudo isso logo
Você já sabe o que sou, e por isso
Me decepou. Arranca fora essa inútil

Pensante cabeça, para só sermos
Um corpo, e no chacoalhar dessa queda
Um cuspe no alto, anuncia-nos: eternos.”

Apagam-se as luzes.

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